Na segunda-feira passada (19), São Paulo anoiteceu mais cedo. Eram 15 horas quando a cidade escureceu e as luzes dos postes se acenderam. Outras cidades do Paraná, como Londrina e Maringá, em Campo Grande e também no Mato Grosso do Sul experienciaram o evento. O pânico foi geral, estaria começando o apocalipse?
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No mesmo dia, meios de comunicação começaram a soltar notas de que o responsável pela escuridão precoce na cidade eram as queimadas que estavam acontecendo na região norte do país. Não demorou muito para que todos os olhares se voltassem para lá e pasmem: a Amazônia estava em chamas desde o começo do mês de Agosto.
O problema da Amazônia: curto prazo.
As queimadas são um fenômeno natural que acontecem durantes os meses mais secos do ano – de agosto até outubro, o chamado verão amazônico. Mas o que fez com que as deste ano fossem diferentes? E por que são diferentes?
Este ano a fumaça é tanta que já pode até ser vista do espaço. Semana passada, a NASA divulgou imagens de satélite mostrando a colcha de retalhos de incêndios e fumaça no Brasil. A NASA apontou que os níveis atuais de incêndio são mais altos em alguns estados, como Amazonas e Rondônia, estando bem acima da média de atividade diária de incêndios em agosto até agora.
E então entra um outro fato interessante: de acordo com especialistas um incêndio natural não se alastraria com facilidade na Amazônia. Apesar do verão amazônico, o fato da floresta ser tropical úmida, os incêndios mais recorrentes ocorrem quando a madeira desmatada fica “secando” por alguns meses e, depois, é incendiada para abrir espaço para pastagem ou agricultura.
De acordo com dados os dez municípios que tiveram mais focos de incêndios florestais em 2019 também são os que tiveram as maiores taxas de desmatamento.
Nesse ponto precisamos estar cientes do cenário brasileiro atual.
A partir deste ano o presidente Jair Bolsonaro (PSL) assumiu a presidência. Durante a campanha Bolsonaro já tratava questões ambientais de forma semelhante ao presidente estados unidense Donald Trump (Partido Republicano), como a retirada do país do Acordo de Paris (firmado por 195 países em 2015, que tem como um dos principais objetivos o de limitar o aumento da temperatura global em até 1,5ºC). O atual presidente não tinha propostas específicas nos temas de clima, redução do desmatamento ilegal ou universalização do saneamento básico. Além de tudo isso, estava sendo processado por crime ambiental pelo Ibama, por pesca irregular.
Quando eleito, Bolsonaro elegeu Ricardo Salles (NOVO) como ministro do meio ambiente, o mesmo que já havia sido condenado em primeira instância por fraude ambiental.
Entender o cenário atual nos dá a possibilidade de entender de fato o problema a curto prazo. O problema da Amazônia vem de longa data, porém, o agravamento desse quadro no ano de 2019 é resultado direto do comportamento do governo de Jair Bolsonaro.
Em julho deste ano o Inpe divulgou dados que demonstraram que o desmatamento da Amazônia havia aumentado cerca de 60% em relação ao mesmo período do ano anterior. Em resposta, o presidente fez a seguinte declaração:
“Com toda a devastação que vocês nos acusam de estar fazendo e de ter feito no passado, a Amazônia já teria se extinguido. Isso acontece com muitas revelações, como a de agora (…), e inclusive já mandei ver quem está à frente do Inpe para que venha explicar em Brasília esses dados que foram enviados à imprensa (…) nosso sentimento é que isso não coincide com a verdade, e parece até que [o presidente do Inpe] está a serviço de alguma ONG”. — disse Bolsonaro, em reunião com correspondentes internacionais em Brasília.
A declaração do presidente resultou na demissão do diretor do Inpe, Ricardo Magnus Osório Galvão.
Embora o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tenha dito recentemente que a Amazônia precisa de “soluções capitalistas“, é justamente seu avanço sobre a floresta um dos principais responsáveis pelo desmatamento na região. Ao contrário de sua recente declaração, de que as queimadas devem-se ao “tempo seco, vento e calor”, os dados do INPE indicam que o fogo vem sendo causado pela derrubada da floresta, segundo pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
Além de tudo isso que foi debatido até aqui, existe ainda um ponto mais dramático: a fiscalização diminuiu muito. Houve 30% a redução das operações de combate ao desmatamento pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) neste ano e queda de 65% na aplicação de multas. O que facilita para que grandes corporações possam explorar essa área – mesmo legalmente.
Na última semana chefes de estado de todo o mundo se reuniram para debater sobre a situação. Noruega e Alemanha suspenderam o repasse de quase R$ 300 milhões para ajudar na preservação do bioma. O Fundo Amazônia foi o mais afetado. Durante a reunião do G7, que aconteceu domingo, 25, , a pauta também foi abordada e ficou decidido que será desbloqueada uma ajuda de emergência de US$20 milhões para a Amazônia, principalmente destinada ao envio de aviões Canadair de combate a incêndios. Além da frota área, o G7 concordou com uma assistência de médio prazo para reflorestamento, para qual o Brasil terá que concordar em trabalhar com ONGs e populações locais.
Antes da intervenção internacional, o presidente havia dado declarações que buscavam minimizar o peso da destruição ambiental, entre elas:
Entretanto, depois que o corte de fundos internacional aconteceu, o discurso presidencial mudou. Agora:
Bolsonaro autoriza uso das Forças Armadas no combate às queimadas na Amazônia.
Apesar disso, o presidente continua rebatendo algumas críticas afirmando se passarem de fake news. Em sua conta oficial do twitter fez uma série de declarações em que afirma que a proteção da floresta faz parte do dever do governo, que está lutando contra atividades ilegais – visto que atualmente seu governo tem tolerância zero com criminalidade. Em sua declaração o presidente voltou a sinalizar que o uso das forças armadas acontecerá para conter o avanço de queimadas e combater a ação de atividades ilegais.
- Soluções a curto prazo
Uma das poucas ações que podem ser tomadas pela população em relação à situação é mostrar a indignação e exigir mudanças e respostas, pensando nisso diversas manifestações estão sendo organizadas por todo o país. Para conferir se na sua cidade haverá alguma, clique aqui.
O problema da Amazônia: longo prazo.
Desde que o movimento Pray for Amazonia ganhou força na internet, muitos posts sobre como o consumo de carne tem envolvimento direto com as queimadas da Amazônia surgiram. Mas afinal, como influencia?
Como dito anteriormente, um incêndio natural não se alastraria com tanta magnitude assim, o desmatamento tem influencia direta nisso.
A pecuária ocupa 65% da área desmatada da região, segundo o relatório da Procuradoria do Meio Ambiente do Ministério Público Federal. E da área total da Amazônia, 7% é destinada ao plantio de soja e milho – diferente do que muitos pensam, 80% da produção destes cereais é destinada para alimentar animais, como frangos e porcos, criados de forma intensiva no Brasil e no exterior.
Lembrando que estes dados são apenas os contabilizados legalmente. Em 2018, o então ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, divulgou estudo revelando que o grão ocupa ilegalmente 47,3 mil hectares de floresta desmatada da Amazônia – aumento de 27,5% na comparação com o registrado na safra anterior (37,2 mil hectares). O Ministério Público Federal no Amazonas diz que de oito frigoríficos existentes no Estado, três estão sendo responsabilizados por ações judiciais com pedido de indenização de R$ 340 milhões por danos morais coletivos, danos ambientais e sociais causados à sociedade.
O agronegócio brasileiro tem relações estreitas com a classe política. A JBS foi uma das maiores financiadoras de campanhas políticas em 2014. Executivos da empresa assumiram em delações que destinaram mais de R$ 500 milhões para ajudar a eleger governadores, deputados estaduais, federais e senadores de todo o país. Ainda que a empresa dona das marcas Friboi e Swift não tenha sido diretamente multada por desmatamento, ela mantém entre sua rede de fornecedores diretos e indiretos grupos autuados pelo crime.
Analisando por este ponto de vista, não fica difícil perceber porque a oratória “Menos Carne Mais Floresta” ganhou tanta força durante este período.
- Solução de longo prazo
Há quem diga que esse não é o momento para culpabilizar quem come carne, é o momento para nos unirmos e irmos às ruas exigindo mudanças. A solução a curto prazo realmente é essa. Mas o problema é mais embaixo.
Discursos que pregam a sustentabilidade e o ambientalismo através de pequenas ações como: deixar o carro na garagem uma vez por semana, reciclar, usar canudos reutilizáveis, fechar a torneira… tudo é válido, porém tem um peso extremamente pequeno, considerando que o uso doméstico pouco afeta o custo ambiental quando comparado com a indústria e agropecuária.
A solução com mais impacto é uma só: tire a carne do prato.
Tirando a carne do prato por UM DIA você consegue:
O efeito coletivo da redução – e até mesmo total eliminação – da carne do cardápio é vista na demanda total. Apesar de cada vez mais as pessoas estarem consumindo carne, por ser um produto considerado de luxo (e ainda tem quem diga que ser vegano que é caro), conforme os indivíduos enriquecem, seu consumo de carne aumenta proporcionalmente; em contrapartida o número de vegetarianos e veganos no mundo, em uma pesquisa feita pela Forbes, 70% de toda a população do mundo está abandonando o consumo de carne.
O que já fez com que grandes marcas sentissem o impacto, partindo para produção de produtos sem nada de origem animal, como foi o caso da Hellmann’s, que depois de uma tentativa de processo para impedir opções vegetais de serem chamadas de maionese, decidiu fabricar sua própria. E até mesmo a própria JBS decidiu entrar na onda e produzir um hambúrguer vegetal. Sem contar as diversas redes de fast food que estão tentando achar seu caminho dentro do ramo, como é o caso do Burger King, McDonald’s, KFC, entre outros.
A questão é a seguinte: o movimento vegano vem crescido cada vez mais e as grandes corporações estão percebendo isso. À medida que isso crescer, aumentando a demanda por opções cruelty free, o impacto na produção de carne será direto.
E o que vai acontecer com essa área desmatada? Isso infelizmente ninguém tem a resposta, mas sejam otimistas e vamos tentar fazer o que está em nosso alcance como consumidores e indivíduos: abandonar o hábito medieval e prejudicial que é comer carne.
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